O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom.
Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele.
Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha.
Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la.
Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade.
As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício.
É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior.
Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»?
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»?
Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV?
O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações.
A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte.
Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade.
Como no Egipto, na Grécia, na Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo.
A diferença é que esse colectivo é hoje o puro vazio.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
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