Conhecem-se há meses de vista,
do bairro onde vivem, de se verem na rua,
no supermercado, no café, de passearem os
cães no jardim.
Ela mora dois prédios ao lado do dele,
não sabe o seu nome, nem o que faz, mas
conhece-lhe algumas rotinas, já ouviu a sua voz,
aprecia a forma de ele se vestir.
Acha-o atraente e fica atenta quando o vê.
Ele gosta de levar um livro consigo quando vai com o cão ao jardim.
Ele gosta de levar um livro consigo quando vai com o cão ao jardim.
Senta-se num banco a ler, mas, se ela chega, não consegue concentrar-se.
Finge que lê, espreita-a por cima do livro, maravilhado com
o seu jeito distraído de caminhar num vaivém constante
enquanto fala ao telemóvel, rodando o vestido numa volta graciosa ao fim de alguns passos casuais.
Adora o seu sorriso encantador, o modo como inclina a cabeça para
trás e lança um risinho espontâneo para o ar a meio da conversa.
É sábado, estão sentados numa esplanada
É sábado, estão sentados numa esplanada
do jardim, ambos sozinhos, em mesas próximas, frente a frente.
Ela pede um café, deita o açúcar, mexe-o demoradamente
com a colher, distraída a observá-lo a ler o jornal.
Fantasia que ele vai erguer os olhos a qualquer
instante e surpreendê-la a olhar, que lhe sorri e se
levanta para ir à sua mesa apresentar-se.
Sorri com a ideia no momento em que ele levanta os olhos do jornal,
mas apressa-se a desviar os seus, a virar a cara, com vontade de rir.
Ele repara que ela desvia o olhar, volta a página do jornal, baixa os olhos por um segundo e torna a olhar.
Ele repara que ela desvia o olhar, volta a página do jornal, baixa os olhos por um segundo e torna a olhar.
Ela não se atreve a fitá-lo, concentra-se na chávena de café à sua frente.
Ele imagina-se a ir ter com ela para meter conversa.
Por um instante, sente-se tentado, pergunta-se se teria coragem.
Porque não?, pensa.
Mas então ela chama o empregado para lhe pedir a conta e o momento passa.
Ele deixa-se estar sentado e ela vai-se embora.
No domingo cruzam-se no átrio de um cinema.
No domingo cruzam-se no átrio de um cinema.
Estão ambos acompanhados, vão a salas diferentes.
Sustêm a respiração a escassos metros um do outro,
os seus olhos fixam-se num espanto recíproco,
num relâmpago eterno, e, pela primeira vez, assumem um
reconhecimento mútuo, pois ele sorri-lhe e ela faz-lhe
uma vénia ligeira com a cabeça, de um modo divertido.
A meio da semana ele vai almoçar com um cliente
A meio da semana ele vai almoçar com um cliente
importante a um restaurante requintado da moda e lá
está ela para o receber, sorridente, desinibida, dona de
um caderno onde escreve à mão e opõe vistos nos nomes das pessoas que chegam com mesa marcada.
É relações públicas e veste-se de forma discretamente elegante, uma camisa preta, uma saia arroxeada de seda.
Parece que nos encontramos em todo o lado, comenta ele, encantado por a ver.
Ela ri-se, é o destino, graceja.
Dois dias mais tarde, ele chega ao jardim, solta a trela do cão e este corre para junto do dela.
Dois dias mais tarde, ele chega ao jardim, solta a trela do cão e este corre para junto do dela.
Ele aproxima-se dela, sentada num banco, aponta para o lugar ao seu lado, ela faz-lhe sinal com a mão para que se sente.
Agora que já sabe o meu nome, diz ele, gostava de saber o seu.
Ela ri-se, diz como se chama e depois começam a falar com naturalidade,
como se se conhecessem desde sempre.
Tiago Rebelo, in " Breve História de Amor"
Tiago Rebelo, in " Breve História de Amor"
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