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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

SONETO À LIBERDADE



Primeiro tu virás, depois a tarde

com terras, mares, algas, vento, peixes.

trarás, no ventre, a marca das idades

e a inquietude dos pássaros libertos.



virás para o enorme do silêncio

— flor boiando na órbita das águas —

tu não verás o fúnebre das horas

nem o canto final do sol poente.



primeiro tu virás, depois a tarde

sem desejos e amor. virás sozinha

como o nome saudade. virás única.



eu não terei a posse do teu corpo

nem me batizarei na tua essência,

mas tu virás primeiro e eu morro livre.

CAIS

Nunca parti deste cais

e tenho o mundo na mão!

Para mim nunca é demais

responder sim

cinquenta vezes a cada não.



Por cada barco que me negou

cinquenta partem por mim

e o mar é plano e o céu azul sempre que vou!



Mundo pequeno para quem ficou...

A GARRAFA

Que importa o caminho

da garrafa que atirei ao mar?

Que importa o gesto que a colheu?

Que importa a mão que a tocou

— se foi a criança

ou o ladrão

ou filósofo

quem libertou a sua mensagem

e a leu para si ou para os outros.



Que se destrua contra os recifes

eu role no areal infindável

ou volte às minhas mãos

na mesma praia erma donde a lancei

ou jamais seja vista por olhos humanos

que importa?

... se só de atirá-la às ondas vagabundas

libertei meu destino

da sua prisão?...

Manuel António dos Santos Lopes


Nasceu a 23 de Dezembro de 1907 na ilha de S. Vicente. Estudou no colégio de S. Pedro e na Escola Comercial em Coimbra. Regressou a Cabo Verde e empregou-se como telegrafista, primeiro na Italcable e, com o fecho desta companhia devido à II Guerra Mundial, passou a tesoureiro da Câmara Municipal de S. Vicente, depois empregou-se de novo como telegrafista na Western Telegraph, primeiro na ilha de S. Vicente, depois (1944) na cidade da Horta, ilha do Faial nos Açores, e por último em 1956, foi transferido para os escritórios de Carcavelos, Cascais, Portugal, onde se reformou e passou a viver. Possuí condecorações portuguesas e cabo-verdianas.


Poeta, contista, romancista e ensaísta, tem participado ao longo dos anos em várias conferências e congressos na Europa, na África e no continente americano (como os "Colóquios Cabo-Verdianos", Lisboa, 1959, o "VI Congresso Internacional de Estudos Luso-Brasileiros", Boston e Nova Iorque, EUA, 1966, o "Claridade", Mindelo, ilha de S. Vicente, 1986 ou o "I Congresso dos Quadros Cabo-Verdianos da Diáspora", Lisboa, 1994). Foi por duas vezes laureado com o Prémio Fernão Mendes Pinto para a ficção e ainda com o do Meio Milénio do Achamento das Ilhas de Cabo Verde também para a ficção. Foi - juntamente com Jorge Barbosa e Baltasar Lopes - fundador e colaborador da revista Claridade da qual foi o primeiro director. Para além da poesia escreveu também contos e artigos de crítica social e política. Colaborou em vários jornais de Cabo Verde, dos Açores e também de Portugal continental. Cabo-Verdianos: Notícias de Cabo Verde, O Eco de Cabo Verde, Resurgimento, Cabo Verde - Boletim de Propaganda e Informação, O Arquipélago; nos portugueses Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro onde se estreou escrevendo sonetos, Atlântico, O Mundo Português, Boletim do Núcleo Cultural da Horta, Actividades, Estudos Ultramarinos, etc. Figura em várias antologias literárias como Poesia de Cabo Verde, Lisboa, 1944; Antologia da Ficção Cabo-Verdiana Contemporânea, Praia, ilha de Santiago, 1960; Modernos Poetas Caboverdianos - Antologia, Praia ilha de Santiago, 1961; Poetas e Contistas Africanos, São Paulo, Brasil, 1963; Antologia da Terra Portuguesa - Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor, Lisboa, s/d, (1963?).; Literatura Africana de Expressão Portuguesa, (vol.1, poesia) Argel, Argélia, 1967; Literatura Africana de Expressão Portuguesa, (vol.2, poesia) Argel, Argélia, 1968; La Poésie Africaine de Expression Portugaise, Paris, 1969; Contos Portugueses do Ultramar, Porto, 1969; Literatura Ultrumarina, Lisboa, 1972; No Reino de Caliban - Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa, Lisboa, 1975; Resistênca Africana - Antologia Poética, Lisboa, 1975; Antologia Temática da Poesia Africana 1 - Na Noite Grávida de Punhais, Lisboa, 1976; Contravento - Antologia Bilingue de Poesia Caboverdiana, Taunton, Massachusetts, EUA, 1982; Sonha Mamana África, São Paulo, Brasil, 1988; Cinquenta Poetas Africanos, Lisboa, 1989; No Ritmo dos Tantãs, Brasília, Brasil, 1991; etc.



Publicou: Paúl - Descrição de um Vale, Mindelo, ilha de S. Vicente, 1932, impressa na Sociedade de Tipografia e Publicidade, Lda. 29 p. (crónica de viagem); Evocação Faialense (folheto), Horta, Açores, 1948; Poemas de Quem Ficou, Angra do Heroísmo, Açores, 1949, 82 p.; Temas Cabo-verdianos, Lisboa, 1950 (e); Os Meios Pequenos e a Cultura, Horta, Açores, 1951, 56 p. (e); Chuva Braba, Lisboa, 1956, Instituto de Cultura e Fomento de Cabo Verde, 310 p. (r); O Galo que Cantou na Baía, Lisboa, 1959, edição Orion, 224 p. (c); Os Flagelados do Vento Leste, Lisboa, 1959, edição Ulisséia, 268 p. (r); Crioulo e Outros Poemas, Lisboa, 1964, edição do autor, 93 p. (p).

Os seus romances encontram-se traduzidos para o russo e francês e de Os Flagelados do Vento Leste foi realizado um filme com o mesmo título pelo realizador português António Faria. A sua vida e obra têm sido objectos de estudos e ensaios de que realçamos: Manuel Lopes. Um Itinerário Iniciático, Praia, ilha de Santiago, 1995, Instituto Cabo-verdiano do Livro, por Marie-Christine Hanras; Simbologia Telúrico-Marítima na Obra de Manuel Lopes, Évora, Portugal, 1996, Pendor Editorial, por José-Augusto França.

João Nobre de Oliveira
"A Imprensa Cabo-verdiana 1820-1975" edicão Fundação Macau, Setembro de 1998

Algumas Obras de Manuel Lopes



Manuel Lopes nasceu em São Vicente, em 1907. A obra de Manuel Lopes estende-se pelo romance, conto e ensaio.

Chuva Braba, foi o seu primeiro romance, datado de 1956, que recebeu o Prémio Fernão Mendes Pinto, tendo igualmente recebido, em 1959, o Prémio Meio Milénio do Achamento das Ilhas de Cabo Verde com o romance Os Flagelos do Vento Leste, posteriormente adaptado ao cinema e no mesmo ano novamente o Prémio Fernão Mendes Pinto com a obra O Galo Que Cantou na Baía (e outros contos cabo-verdianos).

Manuel Lopes é um dos escritores mais conhecidos de Cabo Verde, utiliza nas suas obras expressões em crioulo, embora escreva os seus textos em português. A sua obra estende-se pela poesia, ensaio, romance e conto, dedicando-se também à pintura.

Colaborou com produções suas em diversas publicações, nomeadamente Claridade, Atlântico, Notícias de Cabo Verde, Renascimento, entre outras. Foi co-fundador da revista Claridade, em 1936. Encontra-se também representado em diversas antologias.

Quando a luz dos olhos meus


E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
(Vinícius de Moraes)

Ryan nasceu no Canadá, em maio de 1991.



Quando pequeno, na escola, com apenas seis anos, sua professora lhes falou sobre como viviam as crianças na África.

Profundamente comovido ao saber que algumas até morrem de sede, sendo que para ele próprio bastava ir a uma torneira e ter água limpa.

Ryan perguntou a professora quanto custaria para levar água para a Africa, e a professora lembrou que havia uma organização chamada "WaterCan", que poderia fazer poços custando cerca de 70 dólares.

Quando chegou em casa, foi direto a sua mãe Susan e lhe disse que necessitava de 70 dólares para comprar um poço para as crianças africanas. Sua mãe disse que ele deveria conseguir o dinheiro pelo seu esforço, e deu-lhe tarefas em casa com as quais Ryan ganhava alguns dólares por semana.

Finalmente reuniu os 70 dólares e foi para a "WaterCan". Quando atenderam, disseram-lhe que o custo real da perfuração de um poço era de 2.000 dólares.. Susan deixou claro que ela não poderia lhe dar todo esse dinheiro, mas Ryan não se rendeu e prometeu que voltaria com os 2.000.

Passou a realizar tarefas na vizinhança e acumulando dinheiro, o que contagiou seus irmãos, vizinhos e amigos, que puseram-se a ajudar. Até reunir o dinheiro necessário. E em janeiro de 1999 foi perfurado um poço numa vila ao norte de Uganda.

Quando o poço ficou pronto, a escola de Ryan começou a se
corresponder com a escola que ficava ao lado do poço. Assim Ryan conheceu Akana: um jovem que lutava para estudar a cada dia. Ryan cativado, pediu aos pais para viajar para conhecer Akana. Em 2000, chegou ao povoado, e foi recebido por centenas de pessoas que formavam um corredor e gritavam seu nome.
- Sabem meu nome? - Ryan surpreso pergunta ao guia.
- Todo mundo que vive 100 quilômetros ao redor sabe. respondeu.

**

Hoje em dia Ryan, com quase 22 anos, tem sua própria fundação e já levou mais de 400 poços para a Africa. Encarrega-se também de proporcionar educação e de ensinar aos nativos a cuidar dos poços e da água.

**

UM GAROTO DE SEIS ANOS E UM SONHO. PRECISA DIZER MAIS???

(via 'Quer Café?')

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Posso escrever os versos mais tristes esta noite


(Pablo Neruda)

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada
e calafrio, azul, as estrelas, a distância. "
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a amava, e às vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a de novo e de novo sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado seus grandes olhos ainda.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
E pensar que eu não tenho. Sinto que eu perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como o orvalho para o pasto.
Não importa que meu amor não pudesse manter.
A noite é quebrado e ela não está comigo.
É isso aí. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma está perdido sem ela.
Como se para trazer a minha pesquisa olhos.
Meu coração procura-a, e ela não está comigo.
Na mesma noite branqueamento as mesmas árvores.
Nós, da época, não são mais os mesmos.
Eu não a amo, é verdade, mas como eu a amava.
Minha voz procurou o vento para tocar sua audição.
Outro. Ser de um outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Sua brilhante.
Eu não a amo, é verdade, mas talvez eu a amo.
O amor é tão curta, e esquecer é tão longo.
Porque em noites como esta eu a segurei em meus braços,
minha alma está perdida sem ela.
Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes versos os últimos que eu escrever.

INSTINTO

 ESPANHOL RAFAEL CAMARASA



O meu animal não é diferente dos outros. Não entende causas nem razões. De leis físicas que explicam, por exemplo, o teu rebolar quando caminhas. Vê que as tuas ancas se movem e curioso gosta de ver se te afastas e te perdes feita pérola entre pedras. Agora deixa o novelo de vísceras, com o qual brincava no meu interior, e observa uma gota de chuva deslizando no vidro. Nem desconfia que há forças que o fazem seguir esse curso: ama a sua imprevisível constituição com o mesmo mistério com que a odiará. Uma noite destas pode deixar que faças com a sua pele uma bolsa. Contudo se lhe perguntares o motivo não saberia o que te rugir ou miar. Se pretende alguma coisa são os teus joelhos e o tacto dos teus dedos no seu dorso. E, como eu, lamber-te-á as feridas, ainda que não possa explicá-las.



RESISTÊNCIA



Telefonou para dizer que me envia um poema pelo correio. “Não interessa se o vais ler. É o de menos”, explica-me. “Imagina-o apenas na sua viagem selado por máquinas infalíveis; classificado por funcionários conforme procedimentos e normas. No fundo de um saco sujo, entre publicidade e facturas, seguindo os trâmites de um mundo que repele por natureza. Não é como um raio de sol na bruma de um romance das Brontë?”. Hoje recebi o envelope com a sua franquia regulamentar, e no interior uma pequena folha de papel dobrada pela metade. É certo que estava em branco e não havia poema algum, porém não posso afirmar que nele faltasse poesia.

V-711/ Fundo/Natureza Morta/ Calenda


V-711

A prosa do mundo grita a céu aberto nada.

Assim suspende-se o vôo nas nuvens, com os motores

quase parando, puro barulho dentro. Antes ou depois,

as luzes que esperam sempre piscam.

FUNDO

No fundo se geme? Qualquer céu quer perguntar,

por simples cuidado com o que é incontido,

mas as coisas já estão aqui, sem responder,

na senha de cada representação.



NATUREZA MORTA



As formas guardam toda a memória

para os ecos, para os dentros que riscam.

Sob a suspeita de que não voltem mais.

De outra forma, não seria possível a morte.


CALENDA


Agora que o tempo se escuta e é de vidro

no fundo dos olhos, um véu disparado

pelos dardos de uma música cega que percorre

tudo, agora que o tempo fere, fala.