Pesquisar sobre postagens antigas do Blog

Siga o Blog, nas redes sociais

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Série Contos Distópicos do escritor Luiz Amato

Conto n. 08
A imagem pode conter: montanha, céu, atividades ao ar livre, texto e natureza

Minutos antes da estação espacial adentrar a atmosfera terrestre rumo a cidade de São Paulo.
Avenida Paulista, escritório da Barrey-Whitman Investimentos. Final de reunião:
- Parabéns Sr. Ferreira, seus investimentos ultrapassaram a casa de um milhão de dólares.
Jorge Paulo sorriu – Foi para isso que trabalhamos juntos.
- Sim – o diretor da filial brasileira da BWI levantou – Venha nos visitar sempre que quiser.
- Virei. Minha meta é chegar rápido a dois milhões – cumprimentou o executivo se dirigindo aos elevadores.
- Sr. Jorge, use o privativo como sempre.
- Ah! Claro.

x - x
Três dias atrás:
Jorge acordou pensativo. Sonhara com o pai, já falecido, pela segunda noite consecutiva.
Sempre que isso acontecia suas ações subiam, mas desta vez sentiu ser outra situação.
No sonho, eles encontravam-se próximo do canyon onde costumavam caçar. Luís Douglas estava junto.
- É isso. Está na hora de visitar meu irmão, o lerdo – sorriu de si mesmo. – Fazem uns dois anos que não o vejo. Espero que ainda more no mesmo local.
Luís era gêmeo de Jorge, porém quase uma hora mais novo em decorrência de complicações no parto.
- Então está definido, vou ver o lerdo.
Tomou um banho demorado enquanto a governanta da grande casa preparava-lhe o desjejum.
Escolheu uma camisa de linho importada, um dos seus gostos extravagantes. O contato do tecido na pele fez com que lembrasse de como vencera na vida.
Seus genitores morreram quando ele tinha completado vinte e um anos. O pai lhe deixara um bom dinheiro que, com inteligência e uma boa dose de desonestidade, ele duplicou.
Sem demora, com propinas para um advogado e um servidor público de alto escalão, seu irmão fora considerado inapto, tornando-o responsável direto por ele, perante a lei. Todo o dinheiro da família agora era dele
Aos trinta anos já era muito respeitado no mercado financeiro, principalmente pela sua agressividade funcional e por não ter dó de atropelar os concorrentes ou quem quer que fosse.
Tomou o resto do suco. Foi para garagem, onde dispensou o motorista. Hoje ele dirigiria o seu SUV importado, top de linha.
No caminho decidiu que levaria o irmão para um passeio, afinal devia isso a ele. Gargalhou, quase engasgando.
Ao se aproximar da casa, sentiu arrepios. Ele não gostava do local. Era um bairro pobre de periferia.
Tudo estava do mesmo jeito que lembrava com pintura gasta e descascada. Tocou a campainha.
Ao ver Luís abrir a porta, espantou-se. Não podia estar com aparência pior. Cabelos longos desgrenhados e barba comprida.
- Sou eu lerdo. Não está me reconhecendo?
Ele tentou articular algumas palavras, demorando um pouco – É você Jorge – abriu os braços para abraçar o irmão, com um grande sorriso nos lábios.
- Vamos entre. 
A casa estava malcuidada. Muita sujeira e tranqueiras. O mais velho franziu o nariz.
- Vou levar você para um passeio, mas antes vá tomar um banho. Você está precisando e muito. Depois vamos a um salão de cabelereiro. Esperarei lá fora no carro.
Tudo foi rápido. Em menos de duas horas já estavam na estrada em direção ao canyon.
Eles eram gêmeos idênticos. Jorge olhou para o irmão. Maquinava de que forma poderia usar isso para ganhar dinheiro.
Estavam próximos ao local onde iam caçar com o pai.
Parou em um supermercado, comprando mantimentos e sacos de dormir. Decidira que passariam a noite lá.
Durante a tarde vasculharam as redondezas na mata, como faziam quando jovens. Começara a escurecer.
Num lugar já predeterminado prepararam o mini acampamento.
- Está com fome? – Perguntou Jorge
Com esforço ele respondeu; – Sim muita e cansado também. 
Em silêncio comeram lanches, saciando a sede com suco em lata.
Após comerem Luís cutucou o irmão, como sempre fazia quando tinha algo a dizer.
- Fala lerdo.
- Eu tirei uma identidade nova, pois a outra eu perdi. Quer ver?
Sem saber porque, achou graça nisso.
- Sim, me mostra. – Olhou. A foto era idêntica à sua.
- Onde você cortou o cabelo e a barba para tirar essa foto?
- A Célia veio lá em casa e fez para mim. Ela era quem limpava toda a casa. Mas um dia ela ficou doente e morreu.
Jorge pegou a sua identidade e deu para o irmão.
- Esta é a minha. Agora olhe bem para as fotos e me diga: Quem é o mais bonito?
Luís permaneceu um bom tempo quieto, olhando os documentos.
- Eu não consigo decidir. Estou com sono pois costumo dormir cedo. Posso lhe responder amanhã?
- Pode. Vá dormir.

Ele acordou cedo. Estava agitado e com um humor ruim. Não conseguia entender porque perderá um dia com o lerdo de seu irmão.
Nunca mais farei isso, pensou. Tempo é dinheiro.
- Vamos embora, está na hora.
- Mas nós nem fomos ainda para aquele lado – apontou, sem saber, na direção do canyon.
- Eu não estou com vontade de ir para lado nenhum. Tenho muito o que fazer.
Começou a recolher as tralhas quando uma lembrança veio à mente – Isso. – Olhou para o irmão.
- Você está certo. Não fomos para lá – Saiu caminhando na direção indicada, seguido por Luís.
Caminharam quase uma hora, chegando ao canyon. Jorge dirigiu-se a beirada.
- Venha lerdo, vamos brincar aqui.
- Não vou não. De jeito nenhum.
- Vem, não tem perigo.
- Eu tenho medo. Daqui não saio.
Igual a quando eram jovens Jorge começou a pular bem próximo da beira, gritando com o irmão. Isso fez com que ele chorasse.
- Você não muda mesmo né. Cresceu, mas é o mesmo maricas de sempre. Não vem? Então vou buscar você.
- Não – ele estava apavorado.
Nesse instante a terra tremeu.
Não foi um tremor forte, mas fora o suficiente para derrubar Jorge, que rolou na direção do precipício.
Luís permaneceu estático. Não tinha reação.
- Socorro. Vem me ajudar.
Ao ouvir o grito do irmão, ele saiu do estupor correndo em direção a beirada.
Jorge estava a um metro e meio abaixo, agarrado em uma pequena árvore que lá nascera. Seu semblante era de pavor.
- Luís, arranja um pedaço de pau grande e me puxa. Seja rápido, as minhas mãos estão doendo.
- Sim, eu vou, eu vou.
Sem demorar ele voltou com um pedaço de um galho, parecendo um comprido cajado.
- Isso lerdo, isso. Agora abaixa ele devagar em minha direção.
Com cuidado ele baixou o bastão.
- Estou quase alcançando, só mais um pouco e você pode me puxar. 
- Certo – Sem demonstrar medo ou emoção Luís golpeou com força, várias vezes, as mãos de Jorge até que ele as soltasse da árvore, derrubando-o no precipício.
Seu semblante não transparecia sentimentos. Com calma, pegou as identidades no bolso da camisa.
Separando a do irmão, jogou a sua no despenhadeiro.
Como eu um sussurro falou:
- Eu não sou lerdo. Só deixei que você trabalhasse no meu lugar todo esse tempo.

Dias atuais:
Ao sair do elevador privativo, ele só teve tempo de ouvir o fragor causado pela entrada da estação espacial na atmosfera terrestre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário