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terça-feira, 4 de setembro de 2012

AS ESTAÇÕES







O inverno



Coro das quatro estações:

Cantemos, irmãs, dancemos!

Espantemos a tristeza!
E dançando, celebremos

A glória da natureza!



O inverno:

Sou a estação do frio;

0 céu está sombrio,

E o sol não tem calor.

Que vento nos caminhos!

Trago a tristeza aos ninhos,

E trago a morte à flor.



Há névoa no horizonte,

No campo e sobre o monte,

No vale e sobre o mar.

Os pássaros se encolhem,

Os velhos se recolhem

À casa a tiritar.



Porém fora a tristeza!

Em breve a natureza

Dá flores ao jardim:

Abramos a janela!

Outra estação mais bela

Ja vem depois de mim.



Coro das quatro estações:



Cantemos, irmãs, dancemos!

Espantemos a tristeza!

E dançando, celebremos

A glória da natureza!





A primavera



Coro das quatro estações:



Cantemos! Fora a tristeza!

Saudemos a luz do dia:

Saudemos a natureza!

Já nos voltou a alegria!



A primavera:



Eu sou a primavera!

Está limpa a atmosfera,

E o sol brilha sem véu!

Todos os passarinhos

Já saem dos seus ninhos,

Voando pelo céu.



Há risos na cascata,

Nos lagos e na mata,

Na serra e no vergel*: *jardim, pomar

Andam os beija-flores

Pousando sobre as flores,

Sugando-lhes o mel.



Dou vida aos verdes ramos,

Dou voz aos gaturamos

E paz aos corações;

Cubro as paredes de hera;

Eu sou a primavera,

A flor das estações!



Coro das quatro estações;

Cantemos! Fora a tristeza!

Saudemos a luz do dia:

Saudemos a natureza!

Já nos voltou a alegria!





O verão



Coro das quatro estações:

Que calor, irmãs! Cantemos

Como ardem as ribanceiras

Cantemos, irmãs, dancemos,

À sombra destas mangueiras



0 verão:

Sou o verão ardente:

Que, vivo e resplendente,

Acaba de nascer;

Nas matas abrasadas,

0 fogo das queimadas

Começa a se acender.



Tudo de luz se cobre...

Dou alegria ao pobre;

Na roça a plantação

Expande-se, viceja,

Com a vinda benfazeja

Do próvido* verão. * abundante, cheio



Sou o verão fecundo!

Nasce no céu profundo

Mais rutilo o arrebol...

A vida se levanta...

A natureza canta...

Sou a estação do sol!



Coro das quatro estações:

Que calor, irmãs! Cantemos

Como ardem as ribanceiras

Cantemos, irmãs, dancemos,

À sombra destas mangueiras.





0 outono



Coro das quatro estações:

Há tantos frutos nos ramos,

De tantas formas e cores!

Irmãs! Enquanto dançamos,

Saíram frutos das flores!



O outono:



Sou a sazão* mais rica: *o mesmo que estação

A árvore frutifica

Durante esta estação;

No tempo da colheita,

A gente satisfeita

Saúda a criação,



Concede a natureza

O prêmio da riqueza

Ao bom trabalhador,

E enche, contente e ufana,

De júbilo a choupana

De cada lavrador,



Vede como do galho,

Molhado inda de orvalho,

Maduro o fruto cai...

Interrompendo as danças,

Aproveitai, crianças!

Os frutos apanhai!



Coro das quatro estações:



Ha tantos frutos nos ramos,

De tantas formas e cores!

Irmãs! Enquanto dançamos,

Saíram frutos das flores!

A rã e o touro







(fábula de Esopo)



Pastava um touro enorme e forte, a beira d'água.

Vendo-o tão grande, a rã, cheia de inveja e magoa,

Disse: "Por que razão hei de ser tão pequena,

Que aos outros animais só faça nojo e pena?

Vamos! Quero ser grande! Incharei tanto, tanto,

Que, imensa, causarei às outras rãs espanto!"



Pôs-se a comer e a inchar. E ás rãs interrogava:

Já vos pareço um touro?" E inchava, inchava, inchava!

Mas em vão! Tanto inchou que, num tremendo estouro,

Rebentou e morreu, sem ficar como o touro.



Essa tola ambição da rã que quer ser forte

Muitos homens conduz ao desespero e à morte.

Gente pobre, invejando a gente que é mais rica,

Quer como ela gastar, e inda mais pobre fica:

— Gasta tudo o que tem, o que não tem consome,

E, por querer ter mais, vem a morrer de fome.

A boneca






Deixando a bola e a peteca,

Com que inda há pouco brincavam,

Por causa de uma boneca,

Duas meninas brigavam.



Dizia a primeira : "É minha!"

— "É minha!" a outra gritava;



E nenhuma se continha,

Nem a boneca largava.



Quem mais sofria (coitada!)

Era a boneca. Já tinha

Toda a roupa estraçalhada,

E amarrotada a carinha.



Tanto puxavam por ela,

Que a pobre rasgou-se ao meio,

Perdendo a estopa amarela

Que lhe formava o recheio.



E, ao fim de tanta fadiga,

Voltando a bola e a peteca,

Ambas por causa da briga,

Ficaram sem a boneca...

HISTÓRIA MAL CONTADA





Quis fazer a quarta história

com rainhas bem malvadas,

princesinhas delicadas

e os nobres mais diversos.

Quis também fazê-la em versos,

bem rimada e na medida

pra ficar mais divertida

de contar pra vocês.





No início, até foi fácil:

inventei que um certo conde

escondeu, sei lá onde,

o chapéu da princesinha,

a coroa da rainha

e a peruca da duquesa,

pra depois, por malvadeza,

pôr a culpa no marquês.

(...)

vasculhei quarenta quartos

cem caixotes, mil gavetas,

cento e trinta e três saletas

e um porão empoeirado.

Tudo em vão! Desanimado,

sem poder fingir mais nada,

eu gritei: “Que palhaçada

que o maldito conde fez!”







Eu já ia desistindo,

quando tive uma surpresa:

descobri, perto da mesa,

um baú misterioso,

que eu, muito curioso,

logo vi estar trancado,

mas um pontapé bem dado

fez a coisa abrir de vez.





Achei lá uma coroa,

um chapéu, uma peruca

e – que coisa mais maluca –

um gatinho siamês,

um cachorro pequinês,

uma taça de xerez,

um boné de lã xadrez

e o coitado do marquês!






O chapéu, dei pra princesa,

A peruca, pra duquesa,

A coroa, pra rainha,

Um ossinho pro cachorro,

Uma anchova pro gatinho

E um golinho no xerez;

Pus o boné na cabeça...

E dei adeus pro marquês.

Sonhos da menina



A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?
Sonho
risonho:
O vento sozinho
no seu carrinho.
De que tamanho
seria o rebanho?
A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .
Na lua há um ninho
de passarinho.
A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

O mosquito escreve




O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.


O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.


Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.


Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.


Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?


E ele está com muita fome.

Leilão de Jardim





Quem me compra um jardim
com flores?

borboletas de muitas cores,

lavadeiras e passarinhos,

ovos verdes e azuis

nos ninhos?

Quem me compra este caracol?

Quem me compra um raio de sol?

Um lagarto entre o muro e a hera,

uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?

E este sapo, que é jardineiro?

E a cigarra e a sua canção?

E o grilinho dentro do chão?

(Este é meu leilão!)

A AVÓ DO MENINO





.A avó
vive só.
Na casa da avó
o galo liró
faz "cocorocó!"
A avó bate pão-de-ló
E anda um vento-t-o-tó
Na cortina de filó.
A avó
vive só.
Mas se o neto meninó
Mas se o neto Ricardó
Mas se o neto travessó
Vai à casa da avó,
Os dois jogam dominó.

Uma Palmada Bem Dada



É a menina manhosa
Que não gosta da rosa,
Que não quer A borboleta
Porque é amarela e preta,
Que não quer maçã nem pêra
Porque tem gosto de cera,
Porque não toma leite
Porque lhe parece azeite,
Que mingau não toma
Porque é mesmo goma,
Que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,
Que tem medo do gato
E também do rato,
E também do cão
E também do ladrão,
Que não calça meia
Porque dentro tem areia
Que não toma banho frio
Porque sente arrepio,
Que não toma banho quente
Porque calor sente
Que a unha não corta
Porque fica sempre torta,
Que não escova os dentes
Porque ficam dormentes
Que não quer dormir cedo
Porque sente imenso medo,
Que também tarde não dorme
Porque sente um medo enorme,
Que não quer festa nem beijo,
Nem doce nem queijo.
Ó menina levada,
Quer uma palmada?
Uma palmada bem dada
Para quem não quer nada!

A Língua de Nhem





Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.

E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também

a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,

e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,

ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
Cecilia Meireles