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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um Dia Bem Passado


De vez em quando acontece, um dia bem passado.
 Um dia que é o contrário da vida, porque desde o primeiro ao último momento acordado, passa-se bem, como antigamente se dizia em Angola e cá.
Um dia bem passado não pode ser planeado.
 Mas tem de ser protegido. 
Um dia bem passado é um dia que se passa quase às escondidas.
 Parece mais roubado do que um beijo - e tem razão.
Um dia bem passado, como foi o último dia de Setembro para a minha mulher e para mim, tem de meter pargos, lavagantes, ostras e beijinhos.
Na Praia das Maçãs, nos boníssimos restaurantes Neptuno e Búzio, as ostras são sumptuosas. 
Mas não as vendem à dúzia e à meia-dúzia, comme il faut.
 É ao peso, a granel, como eles as compram. É uma prática que irrita.
 Mas com toda a delicadeza, claro. 
Como uma pérola, formada pela irritação de um grão de areia dentro de uma ostra.
 O peso de uma ostra (a concha mais a carne) nada diz sobre o peso do molusco.
 Há ostras gordas e suculentas escondidas por conchas minimais e esguias e há ostras minimais e esguias escondidas por conchas gordas e suculentas.
Num dia bem passado o problema mais grave, o que mais dá que pensar, nunca é uma questão mais pesada do que esta, de saber como se devem apreçar os mariscos. 
E o maior risco que se corre é de nos calhar uma ostra menos cheiinha.
 Num dia bem passado acabam por ser todas boas.
 Fica-se tolinho de tanto contentamento. 
Um dia quando é mesmo bem passado nem faz pena quando acaba.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (2 Out 2011)'

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