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quinta-feira, 22 de março de 2012

Dia Mundial da Água: “Não há solução única e mágica"



De acordo com a Organização das Nações Unidas, cerca de 800 milhões de pessoas no mundo ainda não tem acesso à água potável. Levando em conta o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico este cenário só vai piorar. Para que isto não aconteça, é preciso uma mudança radical, de acordo com Albano Araújo, Coordenador da Estratégia de Água Doce, do Programa de Conservação da Mata Atlântica, da ONG The Nature Conservancy.





Ele afirma, neste dia mundial da água, que é hora de pensar de forma mais efetiva nas soluções possíveis para a distribuição equitativa de água no mundo, mesmo que se tenha em mente que não existe uma solução mágica para todo o mundo ou mesmo para um país das dimensões do Brasil. “Há um conjunto de soluções que pode ser combinado para resolver problemas específicos de cada local”, disse.

Veja abaixo a entrevista concedida ao iG:

iG: Qual é o maior problema referente a distribuição de água no mundo?
Albano Araújo: Há dois problemas básicos a serem enfrentados: a escassez física e a escassez econômica de água. Em algumas regiões do mundo, devido às condições climáticas, simplesmente não há água suficiente. Em outras regiões a falta de infraestrutura e de investimentos faz com que as populações, especialmente as mais pobres, não tenham acesso à água limpa na quantidade adequada. Um grande desafio então em nível global é garantirmos o acesso equitativo à água, independente do nível de renda e, onde há escassez física, trabalharmos para encontrar soluções tecnológicas que aumentem a disponibilidade de água.

iG: E no Brasil, qual é o principal problema em relação à água?
Albano Araújo: No Brasil ainda enfrentamos a consequência de décadas de baixo investimento. A disponibilidade de saneamento básico é totalmente incompatível com o atual nível da atividade econômica no país. Os melhores números estão na região Sudeste, onde cerca de 95% da população tem acesso a água tratada e 70% do esgoto é coletado, mas no extremo a região norte a coleta de esgoto é inferior a 5% e menos de 70% da população recebe água tratada. O Brasil precisa investir pesadamente em tratamento de água e esgotos para revertermos estes números e deixarmos de ter ‘rios mortos’ correndo pelas cidades, verdadeiros esgotos a céu aberto, que contribuem para a disseminação de doenças.

iG: Um estudo recente afirma que a agricultura usa 92% da água doce do mundo. O que é preciso fazer para reverter esta situação?
Albano Araújo: O estudo diz que a agricultura contribui com 92% da pegada hídrica global da humanidade, mas também ressalta que cerca de 75% desta contribuição vem da Pegada Hídrica Verde, que corresponde à água da chuva que fica disponível nos solos para as culturas. Esta é a água que será absorvida e evapotranspirada pelas plantas. De um ponto de vista de sustentabilidade, poderíamos dizer genericamente ‘quanto mais verde melhor’ em relação à Pegada Hídrica de uma cultura, ou seja, quanto maior for a proporção do uso de água ‘verde’ (da chuva), mais água ‘azul’ ficará disponível, ou seja a água dos rios, lagos e aquíferos. Como a água ‘verde’ só pode ser usada na agricultura e a água azul tem múltiplos usos, o desafio na agricultura é aumentarmos a produtividade reduzindo o uso da água azul, o que pode ser feito principalmente otimizando os sistemas de irrigação.


iG: Ainda de acordo com este estudo, o Brasil é o quarto maior consumidor de água no mundo. Que bons e exemplos poderiam ser adotados para que o País consumisse menos água?
Albano Araújo: A Pegada Hídrica Verde do Brasil é grande devido à sua relevante produção agropecuária, mas novamente, este é um uso adequado da água verde, mas lembrando que podemos aplicar técnicas que aumentam a produtividade das culturas que não demandam irrigação. Com certeza, a nossa deficiência de saneamento é outro fator que aumenta consideravelmente a componente cinza da Pegada Hídrica do Brasil, já que poluímos grandes volumes de água dos rios lançando neles esgotos não tratados. Como a Pegada Hídrica cinza calcula o volume necessário para diluir esta poluição, tem-se um efeito multiplicador muito forte.

Uma boa prática extremamente viável no Brasil seria a captação de água de chuva para uso doméstico e industrial. O exemplo das cisternas no agreste nordestino mostra que mesmos com níveis de precipitação muito baixos (entre 600mm e 800mm por ano), já é possível armazenar água suficiente para os usos básicos de uma família. No restante do país onde chove muito (geralmente mais de 1.500mm por ano), a captação de água de chuva pode chegar a suprir até 40% da demanda doméstica. Como nosso sistema de distribuição de água tem muitas perdas (em média no Brasil metade da água tratada se perde nos encanamentos antes de chegar nas casas), captar água da chuva diretamente nas casas poderia ajudar bastante a reduzir a demanda de água dos mananciais que abastecem as cidades.

iG: Críticos afirmam que o Fórum Mundial da Água, na França, apenas reforçou a parceria público-privada para o acesso a água? O senhor concorda com isto? Seria mesmo um retrocesso?
Albano Araújo: Em linhas gerais, a ideia do Fórum foi buscar soluções viáveis para garantir o acesso equitativo e o uso eficiente e sustentável da água. Os problemas já são bem conhecidos e considerou-se que era hora de pensar de forma mais efetiva nas soluções possíveis. Um fato consensual é que não há uma solução única e mágica que possamos aplicar em todo o mundo ou mesmo em um país do tamanho do Brasil, mas há um conjunto de soluções que pode ser combinado para resolver problemas específicos de cada local. Desta forma, as parcerias público-privadas, bem como a valoração econômica da água, os programas de pagamentos por serviços ambientais, a criação de fundos para conservação da água, etc. são propostas de abordagens e soluções viáveis para alguns locais, mas não para todos.

iG: É possível assegurar a equidade no acesso de água em todo o mundo neste cenário que parece cada vez mais se agravar?
Albano Araújo: Não com o modelo atual de desenvolvimento. Qualquer projeção feita em uma calculadora com as quatro operações básicas mostra que se a população atual do planeta (sem contar o aumento previsto para os próximos 50 anos) assumisse o padrão de consumo dos países desenvolvidos, precisaríamos de mais 4 ou 5 planetas para dar conta do recado. Em algum momento será necessário fazer uma grande mudança nos padrões de comportamento e na relação com a natureza, evoluindo de uma visão consumista para uma mais sustentável. Por enquanto é uma opção, mas talvez antes do que pensamos isto será mandatório.

iG: Com base na realidade de hoje, que cenário teremos para os próximos anos?
Albano Araújo: As projeções são sombrias, mas são muito palpáveis as possibilidades de alterarmos o nosso futuro realizando agora as ações que nos permitirão viver em harmonia com o meio ambiente ao mesmo tempo em que podemos usufruir de uma qualidade de vida cada vez melhor. Certamente teremos de abrir mão de alguns itens dos nossos sonhos de consumo, mas poderemos substituí-los por outros equivalentes que nos tragam benefícios semelhantes, mas sem destruir a natureza e colocar em risco o futuro das próximas gerações.

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